sexta-feira, 23 de abril de 2010

Glauco, Cadu, o Daime e o Crime



INTRODUÇÃO



“O equilíbrio entre inovação a serviço da expressividade e clareza a serviço da eficiência da mensagem é o segredo do diálogo possível na formulação e estruturação de uma matéria e na definição do foco narrativo”. Essas foram sábias palavras de Maria Cremilda Medina, e é esse equilíbrio que será o foco principal para “destrinchar” os principais pontos divergentes, convergentes e as técnicas utilizadas pelas revistas Veja e Época, no caso do assassinato do cartunista Glauco Vilas Boas e seu filho Raoni Ortegas Vilas Boas, por Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu.

REVISTAS VEJA E ÉPOCA – ANÁLISE DOS ASPECTOS JORNALÍSTICOS – TIPOS DE ENTREVISTA E TÉCNICAS DE REPORTAGEM

Entrevista é mesmo, a justo título, uma narrativa - com personagens, ação dramática e descrições de ambiente – separada, entretanto, da literatura por seu compromisso com a objetividade informativa.
Esse laço obrigatório com a informação objetiva vem dizer que, qualquer que seja o tipo de reportagem, impõe-se ao redator o "estilo direto puro", isto é, a narração sem comentários, sem subjetivizações.
Diretamente ligada à emotividade, a humanização se acentuará na medida em que o relato for feito por alguém que não só testemunha a ação, mas também participa dos fatos. O repórter é aquele "que está presente", servindo de ponte (e, portanto, diminuindo a distância) entre o leitor e o acontecimento. Mesmo não sendo feita em primeira pessoa, a narrativa deverá carregar em seu discurso um tom impressionista que favoreça essa aproximação. Ao lado disso, os fatos - e as referências a que estão ligados - serão relatados com precisão, garantindo, mais ainda, a verossimilhança.
Narrar – nesse procedimento, uma espécie de sumário desenvolvido, o entrevistador observa minuciosamente, passo a passo, as informações em questão. As descreve lógica e linearmente. Há a participação invisível do entrevistador, que seleciona traços por ele considerados fundamentais, e os põe vivamente em cena, dramatizando-os.
A magia de qualquer história, transposta para uma peça jornalística, ressalta a emoção. É preciso resgatar essa energia que vem do próprio ser humanos, tomado como fonte de informação para uma notícia.
A revista Veja adotou em sua matéria a reportagem documental, que segundo Maria Helena Ferrari e Muniz Sodré, em sua obra Técnicas de Reportagem, “diz que é o relato documentado, que apresenta os elementos de maneira objetiva, acompanhados de citações que complementam e esclarecem o assunto tratado”. A reportagem documental é expositiva, aproxima-se da pesquisa e às vezes tem caráter denunciante, que é o caso da morte do cartunista Glauco Vilas Boas e seu filho Raoni Ortegas Vilas Boas, por Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu.
Diferentemente, a revista Época narra os fatos utilizando a reportagem de ação, que se inicia pelos dados mais atraentes, que é o histórico do assassino Carlos Eduardo Sundfeld Nunes - Cadu, e depois descreve os detalhes sobre o ayahuasca – um chá alucinógeno, os rituais religiosos do Santo Daime e a opinião de quem se diz a favor, que se salvou da dependência química e opiniões contra lideranças do santo daime.
Em ambas as revistas as entrevistas foram temáticas e em profundidade, e as circunstâncias foram dialogais. Especificamente na revista Época houve uma pluralização das vozes, pois vários grupos se manifestaram.
No caso da reportagem com o pai de Cadu, na revista Veja, o repórter utilizou o método de entrevista-diálogo, teve sensibilidade e criatividade e assumiu uma relação EU-TU com o entrevistado, ao invés do tradicional EU-ISTO, “coisificando” o outro. Nesse método, o entrevistador e entrevistado colaboram no sentido de trazer à tona uma verdade sobre a pessoa do entrevistado ou sobre um problema.
Na revista Época, o que se pode perceber é outro método foi utilizado, o de neoconfissões, onde o entrevistador se apaga diante do entrevistado. Este não continua na superfície de si mesmo, mas efetua, deliberadamente ou não, o mergulho interior. Toda confissão do entrevistado pode ter o objetivo de atrair a libido psicológica do espectador. Pode fazer parte de uma manipulação sensacionalista, mas toda a confissão pode ir muito mais longe, mais profundamente que todas as relações humanas superficiais e pobres da vida diária. Esse aspecto fica evidente no início da matéria sobre relatos emocionados do pai de Cadu, sobre o filho, quando o encontrou à beira da morte, depois de sair da igreja Céu de Maria, local de culto do santo-daime.
Maria Cremilda Medina, em sua obra Entrevista: Diálogo Possível, propõe que “o processo de realização de uma matéria seja uma interação social, onde o jornalista chega ‘desarmado’ (mas não despreparado) aberto para dialogar e sair transformado após o encontro com o entrevistado.
O jornalista não deve se render à comodidade das fórmulas prontas, mas desenvolver e trilhar seu percurso de acordo com as peculiaridades e eventualidades de seus encontros com o mundo”.
O jornalista não é o dono da verdade, mas deve buscar a informação por intermédio de suas diversas manifestações no meio. Uma entrevista é uma comunicação pessoal, não um discurso unilateral, tendo em vista um objetivo de informação. Ela progredirá com a aparição e o desenvolvimento das pesquisas de opinião. O entrevistador precisa ter um forte controle auto-crítico sobre si mesmo, para que suas intervenções não influam inconscientemente nas respostas à entrevista. Suas atitudes e reações, mesmo que imperceptíveis, precisam ser observadas, porque podem ter certa influência.
A realidade só se inventa com a própria realidade, ensaiando e dramatizando. O pensador assume a condição de náufrago, que, ao se debater pela vida, vive. A profissão de jornalista pode ser aventurosa, mas só uma das aventuras – o Diálogo Social – terá força para enfrentar o náufrago.

Portanto, conforme o teor da informação, as características dos discursos das notícias e o próprio encadeamento delas, são produzidos conhecimento de dois tipos: a) o que traz familiaridade com um tema - e nesse caso o discurso é concreto e descritivo, apenas assinalando os acontecimentos; b) o que produz conceitos sobre um tema - com um discurso mais abstraio e analítico, oferecendo informação contextualizada.
O jornalismo tem-se encaminhado no sentido de informar sobre o tema, principalmente nos veículos que pretendem, mais que o registro dos fatos, formar o leitor/espectador.



O DAIME, O CRIME E AS DROGAS? O QUE É SENSACIONALISMO É O QUE É JORNALISMO?


A próxima análise terá como foco principal abordagem adotada pelas revistas, seus principais pontos de convergência e divergência. Enfim, os perfis adotados, quais fizeram o verdadeiro jornalismo, e quais buscaram apenas o sensacionalismo. A diferença já começa pelas capas: a foto, as cores, as chamadas, a isenção ou a falta dela.
Época abre com a pergunta: "O daime provocou o crime?" – e observa que "a morte do cartunista Glauco reacende o debate sobre o uso da droga indígena ayahuasca em rituais religiosos".
Veja parece não ter dúvidas: sob o título "O psicótico e o Daime", questiona "até que ponto se justifica a tolerância com uma droga alucinógena usada em rituais de uma seita", de que a ingestão da beberagem que levou o jovem Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, a matar o cartunista e seu filho de 25 anos. Para a revista, trata-se de uma droga poderosa que precisa ser proscrita, ou no mínimo fiscalizada pelo governo.
Mesmo poucos dias após o crime, cometido em circunstâncias tão complexas, envolvendo um viciado em drogas, com distúrbios psíquicos, Veja não precisou de muito tempo para ser taxativa.
Muitos outros fatores entram em foco nesse crime e pode-se iluminar qualquer um deles no lugar do chá: “classe média sem limites”, “jovens viciados”, “fácil acesso a armas”, “violência urbana”. A bem da verdade, nas cidades de hoje, infelizmente isso poderia ter acontecido de qualquer jeito, em qualquer outro lugar, como, aliás, repetidas vezes acontecem.
Já Época destaca que Cadu vinha apresentando sinais de distúrbios psíquicos nos últimos três anos, aponta indícios de que a família não atuou com o rigor necessário para levá-lo a tratamento e pondera fortemente que ele era usuário de drogas pesadas. A reportagem questiona mais do que afirma. Além disso, a revista ouviu representantes do Santo Daime no Acre, onde o uso ritualístico da ayahuasca nunca produziu episódios de violência e não costuma ser vinculado a atos antissociais.
Ambas utilizam infográficos para contar a história do Santo-Daime, porém o enfoque dado é bastante diferenciado. Veja intitula o Daime como uma seita, enquanto Época preferiu rituais religiosos.
Apesar de a revista Época ter sido mais responsável nas informações do que a revista Veja, isso não a torna melhor, porque a linha editorial adotada pela Veja nas últimas décadas tem sido preconceituosa, desinformada, tendenciosa e, por vezes, sensacionalista e parcial. Em vez de fazer uma reportagem técnica, séria, alertando sobre os efeitos das drogas, abraçou a versão do pai e culpou o Daime por tudo.
Podemos observar alguns equívocos nas informações prestadas pela revista Época, apesar de abordar o tema de forma equilibrada e neutra e não explicitamente má intencionada: a capa poderia sugerir um quadro problemático – caso de esquizofrenia na família e uso abusivo de drogas. Porém, ela de certa forma manipula e confunde, fazendo crer que o Daime pode ter desencadeado o crime. O texto traz nuanças do consumo da ayahuasca e matar. Poderia colocar em discussão temas como o uso de drogas, famílias desestruturadas, a facilidade do acesso a armas e a violência urbana.
O abre “o doido, o daime e o crime” contribui para a estigmatização de pessoas com problemas psiquiátricos. Além do mais, não há laudos médicos que confirmam que Cadu seja esquizofrênico. Embora vindo de uma família problemática, há uma culpabilização do Daime.
A revista Veja conseguiu transformar um crime com origem e circunstâncias bastante complexas a um reduzido: "Daime catalisa esquizofrenia e ocasiona um duplo homicídio".
A sociedade ainda se movimenta lentamente em direção ao livre pensamento e a uma nova forma de convivência coletiva. O que não pode acontecer é tomar a parte pelo todo, ter criticidade, separar o “joio do trigo”, não se deixar levar por informações incompletas e normalmente divulgadas por meios de comunicações tendenciosos. Dessa forma, um caso como esse se transforma facilmente em munição para o falso moralismo, a hipocrisia, e soluções milagrosas.


CONCLUSÃO


Um texto tem força quando arrebata o leitor e faz com que ele chegue ao fim da narrativa. Se você conseguiu chegar até aqui é porque nosso objetivo foi alcançado.
Um fato pode ser tão importante que sua simples notícia ou uma enorme reportagem a respeito dele vão sempre procurar documentar seus aspectos referenciais, porque aí está a expectativa do leitor. Já um episódio de restrito interesse só ultrapassará o mero registro se envolto em circunstancias que conduzirão o leitor a um posicionamento crítico, revelando-lhe ângulos insuspeitados, salientando outros apenas entrevistos - enfim, iluminando e ampliando a visão sobre determinado assunto. Essa, talvez, a função distintiva entre o noticiar e o reportar.
As revistas Época e Veja, aqui analisadas, conseguiram de certa forma relatar os fatos, porém faltou isenção, ou ao menos, parte dela.
Diante do tema polêmico, pouco conhecido, como é a bebida usada por comunidades amazônicas, Época procura distribuir responsabilidades. Veja embarca no preconceito e condena aquilo que desconhece.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

ACESSIBILIDADE: UM SONHO A SER CONQUISTADO

A estudante de Publicidade, Marjorie Comparim, fala das dificuldades encontradas para se locomover na Universidade

Com os olhos voltados para a personagem Luciana, da novela Viver a Vida, o público se emociona com todas as sensações vividas por um portador de deficiência, desde as dificuldades encontradas no dia a dia até a alegria das pequenas conquistas.
O tema acessibilidade teve uma maior divulgação nas diversas mídias quando houve a criação da Lei n. 1098, de 19.10.2000. Ela estabelecia normas para facilitar a locomoção das pessoas portadoras de deficiências ou com mobilidade reduzida, com a eliminação de barreiras e obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios, e nos meios de transporte e de comunicação.
A intenção era a de facilitar a vida dos portadores de deficiência, mas, na prática, as mudanças têm sido muito gradativas e ainda é pequeno o esforço no sentido de oferecer condições para que as pessoas portadoras de necessidade tenham acesso a todos os locais públicos, sem ajuda de terceiros.
Essa realidade não é diferente na UNIDERP-ANHANGUERA. É preciso levar em conta que quando ela foi construída não houve um planejamento, uma preocupação de como seria o dia a dia de pessoas com algum tipo de deficiência física. Mas, também, é preciso entender que não é necessário mudar a estrutura dos prédios, mas fazer apenas algumas adaptações em seus ambientes. Rampas de acesso, elevador, alguns banheiros, essas foram algumas mudanças que se pode observar na universidade. Mas muita coisa ainda precisa ser feita.

NA PELE

A acadêmica Marjorie Comparim tem 22 anos, é portadora de amiotrofia muscular espinhal (AME), uma doença degenerativa de origem genética. Marjorie é uma batalhadora, fez o curso de Moda e, atualmente, ela está no 5º semestre do curso de Publicidade. Circula pela universidade em uma cadeira de rodas e ela relata que as maiores dificuldades encontradas são os acessos à biblioteca, aos laboratórios, aos banheiros e até no local que faz xerox do material que utiliza no curso.
Explica que há um elevador no bloco que estuda, mas que por ser muito antigo, vive quebrando. Vale lembrar que ele está em manutenção há quase um mês. Isso prejudica não só a locomoção de pessoas com deficiência, mas também aquelas com dificuldade provisória de caminhar, além de dificultar o trabalho do pessoal que faz movimentação dos equipamentos para as salas de aula.
As rampas são muito inclinadas e elas nem sempre dão acesso a todos os locais, restringindo o deficiente do direito de ir e vir. Há também o problema das portas estreitas e banheiros sem adaptação.
Outra dificuldade encontrada por Marjorie é na biblioteca. Apesar de ter um elevador, ele está sempre trancado, o que dificulta o acesso da estudante ao piso superior, onde ficam os computadores, as mesas de estudo, sala de TV e vídeo e a maior parte do acervo da biblioteca. Pegar um livro na prateleira também não é uma tarefa fácil, e nem sempre pode contar com o apoio de um assistente.
Até mesmo para imprimir ou xerocopiar algum documento a acadêmica encontra dificuldades, porque os balcões são muito altos.

CONVÍVIO

Não é apenas a acessibilidade física que deve ser levada em conta. Os alunos e professores também devem aprender a se "adaptar" a esses colegas com limitações físicas.
As barreiras de atitudes envolvem concepções e formas de encarar as diferenças, por isso nem sempre são fáceis de serem rompidas.
Marjorie conta que se sentiu confortável quando entrou na faculdade. "Tive uma boa receptividade de colegas e professores, eles são bastante prestativos", relembra.
Algumas universidades propõem atividades bastante interativas, como por exemplo, escolher semanalmente um aluno da mesma sala do portador de necessidade especial, que seria uma espécie de monitor para o colega. Sua função principal seria ajudá-lo a tirar fotocópia de material recomendado, estudar junto ou apenas estar disponível para auxiliar no que fosse necessário. Uma iniciativa interessante para quebrar barreiras.

A ADMINISTRAÇÃO

Marjorie comenta que, por várias vezes, procurou a coordenação do curso, mas a informação que obteve é de que não poderiam tomar providências e que suas reivindicações seriam encaminhadas para a matriz da universidade, em Valinhos-SP. Diante da negativa, ela disse que vai escrever uma carta para a reitoria, registrando as suas necessidades como portadora física.
É preciso mais que sensibilização, é preciso ação. Pois, “gritos de socorro” como o de Marjorie, infelizmente acabam passando despercebidos pelos nossos ouvidos, da mesma forma como passam pelos nossos olhos. A impressão que se tem é que parece ser necessário passar por uma situação como a personagem Luciana da novela “Viver a vida”, para que atitudes sejam tomadas.
Mas, a esperança de Marjorie não morre, “tomara que esta matéria me ajude de alguma forma” comenta.
Quanto aos administradores de nossas universidades, cabe ressaltar que qualquer mudança só ocorrerá se eles possuírem vontade política e assumirem seus papéis como gestores de instituições que não apenas formam profissionais, mas também cidadãos cientes de suas responsabilidades sociais. A inclusão passa primeiramente por aí: pela formação e pela educação que tenha como um de seus princípios a ideia da diversidade.