quinta-feira, 28 de maio de 2009

TREM DO PANTANAL... EU FUI!

O trem apitou, anunciando sua chegada à antiga estação ferroviária de Campo Grande. Estava com uma hora de atraso, e não tardou muito para que todos embarcassem na locomotiva, que apresentava um desgaste natural e uma visível falta de manutenção.
Isso se passou, lá pelos idos de 1983. Contava com meus 10 anos de idade e estava empolgada, pois, até então, minhas únicas experiências com transporte haviam sido o lombo do cavalo e o carro da família.
Adentramos à locomotiva, no vagão da classe econômica. Afinal, o dinheiro era curto, e a família numerosa. Lembro-me vagamente dos detalhes, mas o que não me esqueço é de como o assento era desconfortável, algo que se assemelhava a um plástico duro, resistente e sem nenhuma flexibilidade. Porém, tudo era novidade. Nunca fui dada a luxos e estava tendo a oportunidade de ver e de andar num trem, ao qual, antes, só conhecia pelos livros. E, também, oportunidade de conhecer a famosa cidade de Ponta Porã, que faz divisa com outro país, o Paraguai.
Conforme relatei anteriormente, o trem estava uma hora atrasado e não demorou muito para que ele começasse a se movimentar. Tinha ouvido comentários de que era um meio de transporte lento. Mas, o que presenciava era um veículo bastante ágil.
Ar condicionado, naquela época, era artigo de luxo. Portanto, as janelas permaneciam todas abertas, com vento, muita poeira e, em algumas vezes, os galhos das árvores batiam e espalhavam folhas pelo lastro do vagão, sujando tudo. Mas ninguém se importava!
Era também um “calacatraca” (som do contato das rodas de ferro com os trilhos) que não parava mais. Era engraçado observar os passageiros, num sacolejar sem fim, batendo seus corpos horas e horas. E, saboreavam suas “matulas” (lanches e bebidas preparados em casa), pois o trem, na classe econômica, não tinha serviço de bordo.
Apesar de proibido, gostava também de enfiar a cabeça pela janela e sentir o vento no rosto, sem me importar se o “penteado” se transformaria num emaranhado de cabelo sem forma.
Não me recordo de quantas vezes o trem fez suas paradas. Mas, a cada uma delas, lembro-me de que o apito era o aviso de chegada e o adeus de partida. Era tudo muito rápido, embarque e desembarque. E, na plataforma, avistava-se quem estivesse esperando por alguém, ou se despedindo de alguém.
Devia haver, no trem, um vagão-restaurante, mas, acho que nem cheguei a conhecer. Meu pai, um sistemático (inveterado), não nos permitia ficar vagando. Tínhamos que ficar todos juntos e sentados. Acho que era uma forma de não nos perdermos. Não sei...
Finalmente, com uma hora adiantada (eu disse com uma hora adiantada), só para se ter uma ideia de como aquela locomotiva voou nos trilhos, chegamos à empoeirada cidade de Ponta Porã. Empoeirados também estávamos, dos pés à cabeça, cabelos desgrenhados e com calos nos pés e nas nádegas.
Confesso ter ficado feliz com a experiência. Mas, quando meu pai nos perguntou se preferiríamos voltar de trem ou de ônibus, fomos unânimes em dizer que seria muito legal voltar de ônibus.
Hoje, com o olhar crítico de adulta, confesso não ter sido a melhor experiência. Mas, na época, para quem quase não tinha a oportunidade de sair e, principalmente, viajar, foi algo que ficou gravado em minha memória.
Algum tempo depois, soube da triste notícia de que o trem não mais iria trilhar pelos campos verdejantes, levando seus passageiros, pois seriam necessários muitos investimentos para sua manutenção.
O tempo passou... Nas minhas andanças pelo mundo, tive oportunidade de sentir aquele frio na barriga, peculiar das aterrissagens e decolagens de avião. Experimentei a sensação de ser uma ilha, quando, do mais alto ponto de um navio, pude contemplar o mar, em seu esplendor. Fiz minha segunda viagem de trem. Dessa vez, fora do país. Algo totalmente diferente da minha primeira vez. País de primeiro mundo. Trem de primeiro mundo. E não era nenhum trem-bala. Pelo contrário, seguia vagaroso pelos trilhos, com possibilidade de se apreciar a bela paisagem.
Nostalgicamente, lembrei-me daquele velho trem de ferro, das nossas belas paisagens e de como seria maravilhoso se o reativassem, para que pudéssemos admirar as belezas do Pantanal. Mas, eram apenas devaneios... ou, talvez, utopia.
Qual não foi a minha surpresa, quando ouvi um zunzunzum de que havia um projeto de revitalização do Trem do Pantanal... Era sonho se tornando realidade.
E, finalmente, marcaram a data para a inauguração: 8 de maio de 2009. E, pela repercussão no rádio, na TV e internet, seria coisa de gente grande! O comentário era geral! Até o Presidente da República, Lula, e o Presidente do Paraguai, Fernando Lugo, estariam presentes à solenidade.
Um comichão percorreu meu corpo. E, por um instante, devaneei e me vi entrando naquele antigo trem, mas, agora, encontrava-o todo reformado, o cheiro do couro de suas poltronas penetrando pelas minhas narinas. Num relance, fiz novamente contato com a terra e vislumbrei a triste realidade: para os pobres mortais, ainda demoraria um pouco desfrutar desse passeio no tempo.
E, de fato, o grande dia chegou! Todas as autoridades presentes, faixa de inauguração cortada, o apito do trem ressoou majestoso e, vagarosamente, começou a percorrer o tão almejado caminho das guaviras, do cerrado, dos pássaros e de tantos outros animais e aves do Pantanal.
Busquei informações sobre a viagem, que estaria aberta ao público. Data prevista, 16 de maio. O preço das passagens, nas categorias econômica e turística, era razoável. Na executiva, nem tanto. Mas, apesar de o tempo ter passado, continuo sem frescura e, em qualquer que fosse a classe, o mais importante seria relembrar momentos guardados no fundo da memória.
Noite de sexta-feira, 7 de maio, a semana havia sido um corre-corre de dar gosto! O professor falava, falava... eu já não conseguia escutar... Meus pensamentos estavam no intervalo e, depois, no final da aula. De repente, algo me chamou a atenção... uma mensagem no celular. Meio displicente, tateei o aparelho e, quando li, meus olhos não acreditavam no que eu via. A mensagem, era de uma grande amiga. Dizia: “Vamos sair de casa, amanhã, às 6h30min, de van, rumo ao Trem do Pantanal. Estou te esperando. Me liga. Beijos”.
Naquele momento, passou o cansaço, o sono, a letargia... minha vontade era sair correndo pela sala e contar a novidade para todos os que ali estavam. Saí da sala e liguei, querendo saber todos os detalhes, como surgira o convite de última hora... Tudo.
Ela não entendia muito minha euforia. Mas contou que, além dos jornalistas e donos de agência de viagem, haveria alguns convidados que fariam parte da segunda viagem do trem e que havia se lembrado de mim. Caramba! Tudo perfeito! Nem estava acreditando que as coisas pudessem estar acontecendo tão cedo e daquela forma!
Agradeci e confirmei que, antes do horário combinado, estaria lá.
Naquela noite, quase nem dormi... Viajei no tempo... Por algum motivo, lembrei-me do meu pai e “bateu” uma saudade muito grande... Sua presença marcante me acompanha. Mas, parei de ficar pensando no passado e tratei de dormir. Afinal, sábado seria o dia “D”.
Estava acostumada a acordar tarde. Mas, naquele dia, nem bem o sol despontava, e eu já estava pronta. Rapidamente, eu e meu filho, nos arrumamos para o que seria uma “viagem no túnel do tempo”.
Encontramo-nos no lugar marcado e rumamos para a cidade de Indubrasil, onde o trem iniciaria seu trajeto. Euforias à parte... Todos os que estavam reunidos no terminal ferroviário não escondiam o contentamento de estarem ali.
O trem apitou... Um arrepio percorreu meu corpo... Disfarcei as lágrimas e segui a multidão, que se aglomerava nas portas de entrada dos vagões. Observando o alvoroço, percebi em muitos um olhar saudosista, de quem estava retornando depois de ter vivenciado aquele trem em outra época.
E mais uma vez o apito anunciou a partida do trem... Tudo ali dentro estava mudado. Do velho trem só sobrou a saudade. Os vagões ganharam tons lilás, desenhos estilizados e poltronas estofadas. Moderno e antigo se misturavam nas fotos que relembravam a antiga estação em Campo Grande e seu movimento intenso nos tempos áureos.
Por ser quase uma viagem inaugural, todos os 280 passageiros podiam trafegar pelo trem, independentemente de seus bilhetes serem da classe econômica, turística ou executiva. Era um vai-e-vem de crianças, garçons, repórteres, cinegrafistas e demais passageiros. Todos querendo conhecer tudo.
Um repentista e tocador de berrante nos encantou com sua inteligência e rapidez no pensamento. Mais uma vez, as lembranças do meu velho pai se fizeram presentes. Ele tocava berrante como ninguém e emocionava a quem o ouvia.
No vagão-restaurante, uma surpresa: um trio apresentava suas canções maravilhosas e atendia aos pedidos de quem quisesse ouvir uma bela música... “Mercedita”... E tantas outras.
E, por onde passava, o trem atraía a atenção. Velhos, jovens, crianças, pessoas dentro de seus carros, na rodovia; cavaleiros levando a boiada; até os mais tímidos acenavam ao ouvir o apito. Nas pequenas cidades ou nos vilarejos, acenávamos, feito crianças na janela, e todos respondiam ao cumprimento, com um aceno de mão e um sorriso no rosto.
E, assim, a viagem transcorreu na mais perfeita ordem. O problema do não funcionamento do ar condicionado até que foi providencial, pois, dessa forma, poderíamos abrir as enormes janelas e sentir o vento no rosto... Tal qual na primeira vez.Depois de quase cinco horas, chegamos a Aquidauana, nosso destino final... O trem ainda seguiria até Miranda. Meu sonho havia se realizado. Ao desembarcar na bela estação ferroviária da cidade, foi como se um ciclo tivesse terminado... Mas, penso que, na verdade, é apenas o começo de outras tantas viagens pelo Trem do Pantanal.

terça-feira, 26 de maio de 2009

TOLERÂNCIA ZERO COM AS MAÇÃS PODRES

Escolhi o Jornalismo por acreditar ser uma profissão digna, que tem um papel de extrema importância na sociedade. Capaz de promover mudanças, exercer um grande poder, mas que, em contrapartida, tem uma grande responsabilidade.
É indiscutível a capacidade de influência da mídia nas nossas vidas. Se você lê uma matéria, ou ouve que andar à noite por determinado bairro é perigoso, é provável que você evite andar por lá. Ainda há a busca pela previsão de tempo, antes daquela viagem no final de semana. Não percebemos o efeito da informação na nossa vida, mas ele está lá, presente no dia-a-dia.
Sempre pensei no Jornalismo como um ato de contar histórias. Histórias verdadeiras e contadas a um número inimaginável de pessoas, especialmente, com a invenção da Internet.
E o jornalista busca os detalhes dessas histórias. O mais interessante é que as pessoas acreditam nelas, porque há um compromisso implícito entre o profissional e a população, de ética, de imparcialidade, de dizer apenas a verdade.
Mas, infelizmente, o que se vê é que alguns maus profissionais, ditos “maçãs podres” vêm enlameando a profissão. Ainda não se deram conta de que seu papel é informar a população, de forma que ela possa emitir seu próprio juízo de valor.
O jornalista está se tornando um escravo da audiência e, com essa atitude, seu verdadeiro papel está ficando cada vez mais distorcido.
Quantas vezes não nos deparamos com profissionais, instruídos e moldados pelos “donos das mídias”, que contam suas histórias para influenciar o comportamento das pessoas em favor dos seus interesses. São lobos em pele de cordeiro, que se aproveitam da falta de senso crítico, desencadeada pelo ensino de péssima qualidade.
Ainda me causa aflição ver “jornalistas” que se submetem a falar da vida alheia. Especialmente, de famosos. Divulgam “informações importantes” da vida íntima das celebridades, casamentos, separações, depressões. Até as brigas entre namorados viraram notícia! É a corrida desenfreada pela audiência. E esse tipo de “notícia”, infelizmente, recebe milhares de acesso todos os dias.
Apesar da existência desses profissionais, tenho orgulho do Jornalismo e acredito que a maioria dos jornalistas é gente honesta, trabalhadora e enérgica.
Mas, de qualquer modo, é preciso repensar o papel do Jornalismo e do jornalista: se estamos sendo agentes transformadores, se estamos sendo capazes cumprir nosso papel, com o intuito de buscar melhoria para a sociedade. E, o mais importante, se temos compromisso com a verdade.
E, não podemos nos esquecer de que a existência da nossa profissão está diretamente ligada à nossa credibilidade.
Aos bons profissionais: aplausos!
Às “maçãs podres”: tolerância zero!

QUEBRANDO MINHAS BARREIRAS

Tudo ia bem... Uma boa casa, um bom carro, um excelente emprego, um filho que sempre me trouxe alegrias, viajar sempre que possível... Até que, motivada pela energia de quem estava sempre buscando novos conhecimentos e oportunidades, despertei para outros interesses e comecei a ver a vida por uma nova perspectiva.
Enchi-me de coragem e, da mesma forma que todo ano tinha que encarar o “leão” do Imposto de Renda, resolvi enfrentar o “bicho-papão” do vestibular.
Estava fora do “mercado” do vestibular, há quase 20 anos, e acreditava que minhas chances de passar eram ínfimas. Afinal, meus conhecimentos se resumiam à minha experiência profissional, especificamente, na área jurídica, e nos meus 35 anos de idade. Ou seja, quase nenhuma.
Num primeiro momento, precisava escolher o curso que realmente me realizasse, afinal estava optando por uma realização mais pessoal do que profissional. O mais indicado seria fazer Direito, que estava diretamente relacionado ao meu trabalho e facilitaria a minha ascensão. Mas, definitivamente, Direito nunca esteve nos meus planos.
Confesso que cheguei a olhar a grade curricular, mas cada matéria que eu lia criava uma “coisa” no meu estômago que, definitivamente, não era boa. Sabe aquela sensação de que você comeu uma maionese estragada, ou pior, quando você recebe a conta do cartão de crédito? Se você não tem um cartão de crédito, sorte a sua! Porque a sensação não é das melhores, ainda mais quando a gente extrapola nas comprinhas.
Pois é, voltando à grade curricular! Área de exatas, nem pensar... biológicas, então? Não gosto nem de tirar meu sangue para fazer aqueles “maravilhosos” exames anuais, quanto mais ver sangue dos outros!
Voltei às humanas! Fiquei dividida entre Psicologia e Jornalismo, com uma maior tendência à segunda opção.
Nessa hora, percebi que precisava ser prática! Afinal, tinha que pensar na minha realização pessoal. Mas, também, em algo que pudesse ser aproveitado no meu atual emprego. Se pudesse unir o útil ao agradável, ficaria ainda melhor! Unir a paixão e a razão! Pensando em tudo isso, fiz a opção pelo Jornalismo.
Fui à luta! Com a cara e a coragem, sem cursinho preparatório, entrei nos sites das universidades, para fazer minha inscrição. Primeira decepção! Nenhuma universidade oferecia, no vestibular de inverno, a opção de Jornalismo.
Já estava decidida a fazer um “teste” comigo mesma para ver minha capacidade, ou incapacidade, de passar no vestibular. Tinha a opção do Direito! Era só teste. Portanto, encarei a prova!
No dia do vestibular, fui despreocupada! Afinal, só tinha comentando com amigos mais íntimos. Se não passasse, só iria aguentar a gozação deles.
Além do quê, meu propósito era um teste, e o curso não era o que eu queria.
Fiquei, confesso, ansiosa para que chegasse logo o dia do resultado. Afinal, minha autoestima estava em jogo!
O dia do resultado chegou. E, com ele, para minha surpresa: segundo lugar! Aquilo foi o céu! Contei para todo mundo e me senti viva de novo! Foi uma sensação inigualável!
Passada a euforia, coloquei os pés no chão. E a vida continuou seu percurso, tal qual o rio, às vezes, com algumas corredeiras, mas, depois, seguindo o seu curso normal.
Iria aguardar até o início do ano, para, novamente, fazer o vestibular, este com a opção certa.
Esqueci momentaneamente aquela adrenalina e toquei a vida.
Cinco meses haviam se passado e lá estava eu, mais uma vez, passando pela prova do vestibular. Um pouco mais preocupada, pois, o número de concorrentes era maior e, dessa vez, seria para valer!
A angústia pelo resultado foi três vezes maior. E, no dia “D”, mais uma vez, surpreendi-me: 2° lugar novamente! Numa universidade particular, é claro! Nem tentei a universidade pública, porque, lá, com certeza, minha autoestima iria parar no meu pé... ou melhor, provavelmente, eu nem mais teria uma autoestima!
Orgulhosa, por atingir meu objetivo inicial, que era passar no vestibular, fui fazer minha matrícula! Passei rapidamente os olhos para o valor, escrito bem pequenininho, no lado direito do boleto! Nessa hora, lembrei-me da tal Pollyana não sei do quê, e do seu Jogo do Contente! Para quem não conhece o jogo, a coisa funciona mais ou menos assim: Pollyana, personagem principal do livro, conseguia ver sempre algo positivo, mesmo nas piores situações! Não sei como ela conseguia!
E, como Pollyana, estava eu ali tentando jogar o jogo. Sabia que teria de abrir mão de algumas coisas. Procurei não pensar nas viagens que deixaria de fazer, nos sapatos que deixaria de comprar... Mas, afinal, nem sou uma centopéia! Não preciso assim de tantos sapatos! Maldita hora em que, lá pelos meus idos 12 anos, li aquele bendito ou maldito livro!
Veio o final do ano! Festas, viagem (afinal, ninguém é de ferro!) e muito descanso! E tudo passou muito rápido!
Início de fevereiro! Começariam as aulas!
Foi nesse momento, que olhei para mim e vi que essa nova realidade vinha com um grande pacote de esforços, que incluía vencer medos, lidar com a falta de tempo e paciência para algumas rotinas que já não faziam muito sentido. Além, é claro, de deixar de partilhar minhas noites com meu pequeno filho, na verdade um pré-adolescente de 8 anos, mas que, para mim, será um eterno bebê.
Naquela hora, pensei numa velha frase: quanto maior o sacrifício, mais saborosa será a vitória! Não sei se é exatamente assim a frase e nem quem é o autor, mas foi do que me lembrei.
Enfim, o tão esperado dia 9 de fevereiro havia chegado. Estacionei o carro, enchi-me de confiança e entrei pelos portões da universidade.
Era um burburinho só... gente indo e vindo... sem saber exatamente onde ficar. Somente os calouros estavam ali. O retorno às aulas para os veteranos estava marcado para o dia seguinte.
Tentei localizar minha sala, e o comentário que ouvi era que o reitor, os coordenadores dos cursos e professores iriam se reunir no pátio central, para dar as boas vindas aos alunos.
No meio do caminho, encontrei nas escadarias do bloco do meu curso duas meninas, que pareciam tão perdidas quanto eu. Tentei um breve contato e fiquei feliz, pois houve uma boa receptividade. Elas também eram do primeiro semestre de Jornalismo. Coincidência ou não, já não estava mais me sentindo tão só.
Fomos as três para o pátio e nos juntamos a outros tantos calouros de vários cursos. O lugar era relativamente pequeno para a pequena multidão que se aglomerava em volta de um palco, montado especialmente, para a ocasião. O calor era infernal, típico de um dia de verão!
O reitor discursou e, em seguida, nos apresentou todos os coordenadores de curso. Algo que considerava necessário, mas bem diferente do que eu me lembrava da experiência do meu primeiro dia de aula na universidade pública, há alguns anos.
Mas, os tempos mudam e, aqui, a realidade era outra: estava numa universidade particular, onde é preciso conquistar de todas as formas o aluno, para que ele não desista do curso, ou deixe de pagar as mensalidades. Tudo, estrategicamente, pensado!
Terminada essa cerimônia, cada coordenador de curso levou seus calouros para suas salas.
Uma forma organizada, mas que, de certa forma, passou-me a sensação de estarmos sendo levados pela mão do professor, tal qual o meu primeiro dia de aula na escola, quando a professora Margarida me segurou pela mão e disse para meu pai que eu estaria em boas mãos. Mas, isso foi há muito, muito tempo!
Ao chegar à sala, fiz exatamente o contrário do que tinha feito na minha vida de estudante. Sentei-me no “fundão”, lugar daqueles alunos desinteressados normalmente e que estariam ali, só para passar o tempo. Era exatamente a imagem que queria passar, contrária àquela dos anos do colegial: primeira da turma, nerd e da turma do “gargalo”.
A sala estava repleta de adolescentes. Cada um com suas características. Fiquei analisando cada um deles. Suas posturas, suas roupas. Uns mais tímidos, outros nem tanto, pois já tentavam um contato com quem estava mais próximo.
O coordenador conseguiu reunir todos os professores e apresentou cada um deles.
Uns mostravam-se mais técnicos. Outros tentavam usar um linguajar mais adequado e descontraído, que “quebrava” o gelo e até nos fazia rir.
Momento interessante foi quando um dos professores, meu companheiro de mais de um ano, apresentou-se. Não sabia se olhava nos olhos, para o chão, ou para os lados. Ele agia da mesma forma.
Já havíamos combinado de manter nossa situação em segredo, porque nunca foi visto com bons olhos o professor que namora aluna ou vice-versa. Não sabíamos até quando a situação iria se sustentar, mas seria o melhor a fazer.
Mas, que foi engraçado foi! Isso não posso negar!
Recados dados, professores apresentados, todos saíram e ficamos somente nós, os alunos.
Alguém sugeriu que nos apresentássemos. Cada um tinha que ir à frente da sala, falar o nome, idade, onde morava e o que gostava de fazer.
Um a um, todos foram se apresentando. Era um com 17 anos, outro com 18. A que tinha mais idade disse ter 20 anos.
Chegou a minha vez... Comecei pelo nome, o lugar onde eu morava, o que gostava de fazer e, não teve jeito, comecei a ouvir uma voz no fundo, outra na frente perguntando minha idade... Protelei por alguns instantes, fiz um pouco de charme e, por fim, falei. Mas, em seguida, usando uma estratégica pensada naquele momento, disse que no meio de um grupo tão bonito e jovem, sentia-me com muito menos idade! Pronto, vieram os assovios, as palmas e, com uma pequena frase, havia ganhado a turma! E, meu receio de me sentir excluída já havia diminuído e muito!
As aulas eram interessantes e, em algumas delas, senti que minha experiência de vida me ajudava a não ficar “boiando” em sala. Daí por diante, vi que não seria assim tão difícil me adaptar novamente aos estudos, até o dia da primeira prova. Voltei a sentir aquele “apertão” no estômago e a sensação de que não iria conseguir. Ressurgiram os velhos medos. E aquela “vozinha” que teimava em me fazer desistir ficou mais insistente e forte.
Mais um “bicho-papão” para vencer! E a primeira prova tinha que ser justamente de Sociologia! O comentário dos alunos dos outros semestres é que a prova daquela matéria era de “arrebentar”, e que, normalmente, as notas se resumiam a 3,0, 4,0, bem distantes da média, que era 7,0.
Com as mãos suadas, a boca seca e o coração acelerado, entrei na sala. Sentei-me e esperei que meu algoz, o professor, entregasse a mim aquela folha de papel com letras que, com certeza, ficariam emaranhadas diante dos meus olhos.
Antes da entrega, o professor anunciou que a prova seria feita em dupla, o que foi surpresa para todos. Fiquei feliz, mas, com um pessimismo que não me é peculiar, imaginei que a prova não seria difícil, mas, sim, bombástica.
O silencio era quebrado apenas pelo barulho do ventilador. A sala emitia uma tensão que era palpável! Finalmente, a tão não esperada folha da prova foi entregue e, tal qual minhas suposições, as letras viraram um emaranhado escuro e sem forma.
Eu e minha parceira de estudo, a mesma que conheci no primeiro dia de aula, começamos a ler e nos perguntar o que exatamente o algoz... (opa!) professor, queria que respondêssemos. Cinco questões! E, em nenhuma delas, ele teve misericórdia!
Mas, a hora era aquela e praguejei, em pensamento, os homens que se dizem inventores de tudo! Como, ainda não tinham inventado a máquina de teletransporte? Porque, na verdade, naquele instante, eu queria estar em qualquer lugar, menos ali.
Sem máquina de teletransporte e uma prova na nossa frente, não tivemos alternativa, senão tentar escrever o melhor que pudéssemos.
Quase duas horas depois, e com poucas vivas-alma na sala, entregamos a prova. O que estava feito estava feito. Restava-nos esperar apenas o resultado catastrófico, que, com certeza, seria nossa nota.
Mais provas, trabalhos. E, por fim, o resultado de cada um deles superou minhas expectativas. Na fatídica prova de Sociologia, obtivemos um 7,7, que nos rendeu uma comemoração, no intervalo das aulas, regada a muita coca-cola.
E, assim, as coisas estão acontecendo melhor do que o esperado. Fui convidada a participar de um seleto grupo de produção de texto e com o nome bem sugestivo de “Tropa de Elite – Tolerância Zero”. Das minhas produções, tive, até agora, três textos publicados, e sei que conseguirei muito mais, porque alguns mitos foram superados.
Algumas coisas que me preocupavam, como a escolha do curso certo e a aceitação do grupo, já estão superadas. E algo que tenho percebido é que a troca de experiência é algo fantástico, porque somos e sempre seremos mestres e alunos. Todo mundo aprende um pouco com o outro, e é isso que tento repassar. Até porque, vejo que a experiência se adquire com o que se assimila da vivência com as pessoas, e não pelo número de aniversários feitos.
Os medos vêm e vão. As dificuldades vão aparecer e sei que terei que superá-las. Não sei quantas vezes pensei em desistir, e não sei quantas mais ainda pensarei. Mas, buscarei viver um dia de cada vez, fazendo sempre o melhor.
Ainda continuo com a mesma casa, o mesmo carro, meu excelente emprego e meu maravilhoso filho, mas não sou mais a mesma! É como se eu estivesse passando por um tempo de amadurecimento. Tal qual a lagarta, que fica envolta num casulo solitário, até o dia em que ela rompe suas as paredes desse casulo e sai batendo suas asas coloridas para ser uma bela e majestosa borboleta! Da mesma forma que ela precisou vencer as amarras, que a impediam de voar e de mostrar sua beleza ao mundo, estou quebrando minhas barreiras para buscar conquistar meu espaço, minha liberdade e a minha felicidade!

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A CRISE ECONÔMICA MUNDIAL E O IMPACTO NA SOCIEDADE REGIONAL

O assunto que mais repercute na mídia e nas conversas entre empresários e trabalhadores é a chamada crise econômica mundial. Nos findos de 2008 o tema nos trouxe de volta termos há muito esquecidos, como recessão, demissões em massa e fechamento de micro e grandes empresas. Vários setores foram atingidos, alguns com maior e outros com menor intensidade.
No Estado de Mato Grosso do Sul a situação não foi muito diferente. O governo apresentou dados que demonstram uma redução da arrecadação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), tributo utilizado para a implementação de projetos de melhorias no estado. Em outubro, o tributo rendeu aos cofres públicos R$ 370 milhões, em novembro R$ 369 milhões, em dezembro R$ 360 milhões, em fevereiro R$ 340 milhões e março R$ 350 milhões. A queda foi principalmente em função da redução na compra do gás boliviano, cuja tributação ocorre no estado, por onde o gasoduto entra no País.
Apesar do aparente decréscimo na arrecadação, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), num estudo apresentado em março de 2009, sobre os efeitos da crise econômica internacional no País, demonstrou que Mato Grosso do Sul teve o segundo melhor índice em ICMS, perdendo apenas para o Estado do Amazonas. O estudo levou em consideração o recolhimento entre janeiro e dezembro de 2007 e o mesmo período de 2008, e o resultado foi o acréscimo de 24,18%.
Mesmo com resultado tão positivo na evolução da arrecadação, é perceptível uma retração na economia. Vários estabelecimentos comerciais fecharam suas portas, causando preocupação à população. O receio do descontrole na economia foi visível, o que fez reportar à época da hiperinflação, gerada pela crise econômica dos anos 80.
Essa retração ficou evidente com a divulgação do fechamento de frigoríficos no Estado, que sucumbiram à crise. Iniciou em setembro do ano passado com o Frigorífico Campo Oeste, em Campo Grande, em novembro foi a vez do Frigorífico Estrela, de Ribas do Rio Pardo e do Frigorífico Vitória, em Nioaque. O Grupo Margen suspendeu as atividades em Três Lagoas, Paranaíba e Rio Verde. O Frigorífico Garantia, de Itaporã, retomou os abates, mas não pagou os pecuaristas. O prejuízo aos produtores rurais foi na ordem de R$ 8 a 12 milhões de reais, e muitos trabalhadores perderam seus empregos.
O Frigorífico Independência teve três unidades fechadas e pediu recuperação judicial ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Recuperação judicial é um procedimento jurídico que permite que a empresa que estiver em crise retome suas atividades, desde que haja comprometimento em quitar dívidas. Se a solicitação judicial não for aceita, a justiça pode decretar a falência da empresa.
Os dois maiores frigoríficos do Brasil, Marfrig e Bertin, tentam um fusão com o apoio do BNDES. O setor de carne bovina foi um dos mais afetados pela crise, e a fusão fortaleceria as duas empresas, para enfrentar as incertezas do mercado.
Outra empresa que enfrentou problemas para honrar os compromissos assumidos, no período da crise do agronegócio, foi a Kepler Weber, do segmento de armazenagem de produtos agrícolas, que se endividou para construir uma nova unidade em Campo Grande.
Com dificuldades para a solução de suas dívidas, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial na Vara de Falências de Porto Alegre. Em agosto os credores e acionistas esboçaram um acordo e pediram o cancelamento do pedido de recuperação, que permitiu a assinatura do acordo de reestruturação e investimentos. A empresa busca aliar-se ao Governo Estadual e à Prefeitura Municipal para retomar os investimentos e criar 90 novos empregos diretos.
Já no setor sucroalcooeiro a crise se instalou de forma mais suave, e os usineiros, num esforço conjunto, buscam medidas para se recuperar da crise. E a perspectiva é de que até 2015 o Estado seja o segundo no País em moagem de cana-de-açúcar, o que demonstra um grande potencial na região.
O Governo do Estado adotou algumas medidas, visando minimizar os efeitos da crise e garantir a geração de emprego, tais como a dilatação do prazo para pagamento do ICMS pelos empresários, no período de março a agosto deste ano. Poderão contar com 10 dias a mais para recolher o tributo. Outra medida foi a redução pela metade do valor cobrado do IPVA das motocicletas novas até 150 cilindradas e redução em 50% do ICMS para comercialização da carne processada no estado. Para estimular o setor da construção civil, gerar novos empregos e fortalecer as empresas, o governo terá como meta a construção de 15 mil casas, em vez de 10 mil. Segundo o governo, iniciativas como estas ajudam o estado a retomar o desenvolvimento.
O Ministro do Trabalho, Carlos Lupi, afirmou que seis estados demonstram sinais de recuperação diante do impacto da diminuição do emprego, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul. No caso do estado, isso se deu graças ao pacote de medidas adotadas pelo Governo, que trouxe benefícios para a economia da Capital e dos municípios do interior.
De acordo com dados divulgados, o Estado encerrou o ano de 2008 com uma evolução na geração de saldo líquido de empregos formais, na ordem de 9.866 postos de trabalho. O que significa um aumento de 2,95% no número existente, para assalariados com carteira assinada, em relação a dezembro de 2007. Sobre o tema, o site do Ministério do Trabalho, em 15 de abril de 2009, avaliou de forma positiva o crescimento da empregabilidade no Estado, verbis:

“O Mato Grosso do Sul registrou em março saldo de 4.940 empregos com carteira assinada, e aparece como sexto colocado na lista nacional de geração de vagas no período, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego. O resultado foi o segundo melhor da série histórica, menor apenas do que os 5.523 postos criados no mesmo período de 2007.
Os setores Agropecuário e de Serviços alcançaram os melhores desempenhos no estado, gerando respectivamente 2.570 e 1.220 novas vagas de trabalho. Segundo o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, estes setores estão entre os que superaram a crise econômica mundial.
‘O setor de Serviços apresentou os melhores resultados. A Educação e o Turismo alavancaram o emprego, com a volta às aulas e o resquício do carnaval. A agropecuária segue reativando postos, principalmente no Sul, mas é um setor com muitas particularidades sazonais que levam a grande variação de empregabilidade, avaliou o ministro.
A capital Campo Grande apresentou o melhor desempenho entre os municípios do Mato Grosso do Sul, com saldo de 978 novos empregos, seguida por Dourados (659), Naviraí (274), Nova Andradina (196) e Paranaíba (45).
O crescimento da empregabilidade no Mato Grosso do Sul foi de 1,32% em relação ao estoque de assalariados com carteira assinada do mês anterior. No primeiro trimestre do ano houve acréscimo de 9.250 postos (2,49%). Nos últimos 12 meses, verificou-se crescimento de 1,63% no nível de emprego, com 6.090 postos de trabalho. (www.mte.gov.br).

E, ainda, a implantação de uma fábrica de papel em Três Lagoas, fruto do consórcio de ativos entre a International Paper e a Votorantim Celulose e Papel, traz a expectativa da geração de cerca de 30 mil novos empregos diretos e indiretos no estado e o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional em 0,15%, do Estado em 13% e no Município de Três Lagoas em 300%.
O setor pecuário, deficitário desde 2005, resultante da inacessibilidade da carne ao mercado internacional, superou o quadro com o trabalho conjunto dos produtores rurais e das entidades de classe. O resultado vitorioso veio com a recuperação, em julho de 2008, do status de área livre da febre aftosa com vacinação, ampliando as alternativas do produtor da pecuária de corte, permitindo a exportaçao ao mercado internacional.
Dados fornecidos pela Junta Comercial de Mato Grosso do Sul (Jucems) revelam que o número de empresas constituídas no estado em 2008 é o maior desde 2000. Em 2008 foram abertas 7.528 empresas, as alterações saltaram de 8.455 para 9.099, abertura de filiais de 1.082 para 1.401, as extinções passaram de 1.382 para 1.632 (esse último dado revela que a nova lei de micro e pequenas empresas, facilitou o processo de extinção de negócios há muito desativados) e, por último, o número de falências diminuiu de 17, em 2007, para 6, em 2008.
Para se ter uma análise mais detalhada do assunto, a Jucems publicou em seu site, WWW.jucems.ms.gov.br, quadros comparativos das empresas constituídas, extintas, falidas, as alterações empresariais, as filiais constituídas, as alteradas e as extintas. Demonstra também o número de empresas canceladas por lei e o número de empresas ativas nos municípios do Estado de Mato Grosso do Sul.
Na contramão da crise, as estatísticas constantes no site supramencionado demonstram que o Estado tem mantido um ritmo de crescimento.
Outra forma encontrada para driblar a crise foi a inauguração, em 13 de março deste ano, do Espaço de Divulgação do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), na Casa da Indústria, em Campo Grande. O objetivo principal é a oportunidade de novos empreendimentos para a economia sul-mato-grossense, gerando mais emprego e renda. O BRDE não é um banco comercial, mas de fomento. O prazo de pagamento é mais longo e ele tem o compromisso da análise e viabilidade dos projetos, visando o lucro para o empresário. O crédito está disponível para empresários de qualquer segmento, inclusive produtor rural, para investimento em empresas de qualquer porte, das micro até grandes indústrias.
A crise existe e é preciso lidar com ela. Por pior que seja, ela tem o seu lado positivo: faz buscar uma otimização dos recursos e saídas criativas. Políticos, empresários e a população, todos têm um papel fundamental e, se cada um fizer sua parte, todos ganham.
Otimismo e ação são imprescindíveis para superar esse momento, e o importante não é saber se a crise é um tsuname ou uma marolinha, mas sim como vencê-la, agindo com inteligência e sabedoria.

RESENHA - GLOBALIZAÇÃO - AS CONSEQUÊNCIAS HUMANAS - Zigmunt Bauman

Em sua obra, Globalização – As Consequências Humanas, Zygmunt Bauman dá enfoque às mais diferentes formas de visualização do tema.
Denota-se que, para alguns, globalização é uma meta desejada, e para outros ela é vista de modo desfavorável, porém, independentemente das opiniões formadas, ela é um processo que não pode ser revertido.
O que se busca é dar clareza aos fenômenos visualizados: espaço e tempo, local e global e o autor também desvendar a importância de entender a sensação de apreensão existente no mundo pós-moderno.
Enfim, o que o autor busca é uma tentativa de mostrar que no fenômeno da globalização há mais coisas do que pode o olho apreender e também um exercício de formulação de questões e de estímulo ao questionamento.
TEMPO E CLASSE


Em seu primeiro capítulo, ele faz uma reflexão a respeito de como são construídas as grandes incorporações, indagando sobre a falta de assistência presencial dos investidores, que são os verdadeiros tomadores de decisão (p. 13).
Segue, afirmando que os empregados em nenhum momento têm força de decisão, que as resoluções são tomadas pelos empregadores de capital, geralmente não locais, ao contrário dos funcionários, que têm familiares e moradia local, e que o intuito é buscar lucro com a exploração mão de obra da região.
Essa mão de obra está presa à área e fica à mercê de acionistas que, acaso vislumbrarem perspectivas de maiores lucros em outro domínio, o fazem sem se preocupar nos efeitos desastrosos desse ato.
Existem basicamente duas formas do espaço: aquele onde quem não está aprisionado pela localidade e os que não estão livres da localidade. Os primeiros podem escapar da globalização e dos seus resultados, diferentemente do segundo grupo.
Sob a ótica do pós-guerra, a mobilidade tornou-se fator de cobiça crucial, pois é por meio dela que sobressai a hierarquia social, onde houve uma transmudação dos padrões econômicos, sociais e políticos do local para o mundial, derivando a eficácia do capital e dos investidores.
Porém, com ela veio a desobrigação das empresas com seus empregados, capaz de torná-la desimpedida para se mudar a qualquer tempo, livrando-se, inclusive, das responsabilidades consequentes desse ato, conforme mencionado acima.
Com a nova liberdade do capital e a desvinculação da empresa com o local, não há mais pressão, e quando isso ocorre busca-se, alternativamente, lugares mais pacíficos.
É o fim da distância geográfica, pois ela se tornou apenas um produto social e sua extensão depende apenas da velocidade das informações e dos meios de comunicação.
A respeito do tema, em sua obra A Era do Globalismo, 7ª ed., Ed. Civilização Brasileira, Octavio Ianni argumenta, verbis:

As ciências sociais são desafiadas a pensar o mundo como uma sociedade global e, continua, os estudos e as interpretações podem estar focalizando temas tais como (...) grupos sociais e classes sociais (...) guerra e revolução, modernidade e pós-modernidade. Mas o que tem predominado são as interrogações sobre o modo pelo qual se forma e conforma, organiza e transforma a sociedade nacional, e em que medida o indivíduo é o principal momento da vida social, polarizando muito do que são as relações, os processos e as estruturas.




GUERRAS ESPACIAIS: INFORME DE CARREIRA



No segundo capítulo de sua obra, Bauman afirma que desde a origem da sociedade sempre foram utilizados padrões de comparação de medida, limites e fronteiras, contrariando a ideia de que o espaço social nasce na cabeça dos sociólogos. Partindo dessa premissa, o autor nos expõe à luz de que o ser humano tendenciosamente busca homogeneidade na forma de produzir mapas e a construção de cidades com estruturas similares, utopicamente buscando a “cidade perfeita” e que para a construção e visão da cidade perfeita os homens são obrigados a rejeitar a história e seus traços palpáveis.
Esse mapa, não só geograficamente falando, tinha que ser uniformizado de acordo com as necessidades do Estado Pré-moderno, que, para se tornar moderno, teria que ser oficialmente aprovado por esse mesmo Estado.
E com todo esse processo de transformação operou-se uma desintegração aos “laços humanos”, onde, com a padronização, as relações sociais se tornaram autônomas e, arremata Bauman que “os homens não se tornam bons simplesmente seguindo as boas ordens ou o bom plano de outros”.
A cidade, originalmente criada para preservar a todos dos males vindos de fora, agora se tornou protetora dos inimigos interiores, basta que se observe cada vez mais a busca pela própria segurança como a utilização de carros fechados, sistemas de segurança, etc. Estamos nos isolando cada vez mais, pois o evitamento e a separação fazem parte das estratégias de sobrevivência nas grandes cidades.



DEPOIS DA NAÇÃO-ESTADO, O QUÊ?


Segundo palavras de G. H. Von Wright (apud, Bauman, 1.999, p. 64), a Nação-Estado “parece que se está desgastando ou talvez ‘definhando’, ou seja, existe uma grande possibilidade de eliminação do Estado-Nação, o que pode levar a uma desordem mundial”.
Essa desordem mundial nada mais é do que uma sequência de atos, que se inicia com a falta de definição dos rumos e da falta de quem a controla.
Devido a esse processo, Bauman diz que “o significado mais profundo transmitido pela idéia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo” (p. 67), portanto, a globalização não é nada mais que um processo de desordem da economia e das relações sociais e que leva a percursos inesperados, pois, não se planejam os caminhos, simplesmente eles acontecem.
Consequentemente, nos deparamos com a morte da soberania do Estado, que tem de abrir mão do seu controle para privilegiar a nova ordem mundial. Não se supõe em tempos atuais, um Estado que vise uma política fechada que não se vislumbre o mercado global. O poder econômico foi extremamente abalado e não existem maneiras de se governar a partir de ideologias políticas e interesses soberanos da nação.
A globalização impõe seus preceitos de forma totalitária e indissolúvel, impondo pressões que o Estado não é capaz de fazer desaparecer, ou seja, alguns minutos bastam para que as empresas e a Nação entrem em colapso. O Estado está despido de seu poder e de sua autoridade, somente lhe remanesceram ferramentas básicas para a manutenção do interesse das grandes organizações empresariais. Cabe destacar que toda essa desorganização tem como ponto mais alto as regras de livre mercado, políticas especulatórias, capital global e um Estado pequeno e fraco, que tem como única função a manutenção e criação de processos que mantenham a estabilidade financeira e econômica.
Hoje as mega-empresas têm toda liberdade para realizar manobras econômicas que tornam o Estado um mero espectador, dominado e sem poder de reação.
O livre comércio e o desenvolvimento econômico vêm com a proposta da possibilidade de diminuição das desigualdades sociais, mas isso tem se mostrado uma ilusão, pois o que se apresenta é um aumento cada vez mais elevado da riqueza dos mais ricos e uma diminuição drástica das condições de vida dos mais pobres.
John Kavanagh, do Instituto de Pesquisa Política de Washington, em sábias palavras esclarece:

A globalização deu mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia para movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e especular com eficiência cada vez maior.
Infelizmente, a tecnologia não causa impactos nas vidas dos pobres do mundo. De fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos, mas deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial. (apud, BAUMAN, 1999, p. 79).

Bauman fala dos meios de comunicação mundiais, de como a maior parte dos pobres não têm acesso a eles e, também, que estes meios, ao mesmo tempo, divulgam a existência, num mesmo local, de homéricos crescimentos econômicos e o aumento da camada pobre.
Em seguida o autor coloca que o que se propaga é a ideia de que pobreza é sinônimo de fome, mas existem outras questões da pobreza que ficam “encobertas”: péssimas condições de vida, analfabetismo, famílias destruídas, etc.
Todas as tentativas de mudança encontram barreiras e sua eficiência é momentânea, pois, este sofrimento da sociedade humana tem como precedente, amarras, que são facilmente retraçadas e mutáveis pela globalização e pelo sistema de produção capitalista.


TURISTAS E VAGABUNDOS


No capítulo 4, Bauman discursa sobre o movimento e a noção de que hoje em dia sempre nos deslocamos, mesmo quando estamos fisicamente parados.
O prof. Ricardo Petrella assim resumiu: “A globalização arrasta as economias para a produção do efêmero, do volátil (por meio da redução em massa e universal da durabilidade dos produtos e serviços) e do precário (empregos temporários, flexíveis, de meio expediente).” (apud, Bauman, 1.999, p. 86).
Observa-se, ainda, que numa mesma sociedade de consumo o consumidor é a pessoa em movimento e fadada a se mover sempre.
Movemo-nos divididos, quer dizer que estamos vivendo num mar aberto, sem sinalização que indique o caminho. Podemos nos alegrar com as perspectivas de novas descobertas ou morremos de medo. Ainda poderíamos ter uma terceira opção, um porto seguro, mas na verdade ele não existe, porque quando achamos que o encontramos alguém vem e moderniza, então, ele deixa de ser um porto seguro.
“Todo o mundo pode ser lançado na moda do consumo; todo o mundo pode desejar ser um consumidor e aproveitar as oportunidades que esse modo de vida oferece. Mas nem todo o mundo pode ser um consumidor”, palavras de Bauman, que exemplifica essa colocação com dois extremos: o Turista e o Vagabundo.
O Turista é um privilegiado que conseguiu o prêmio da mobilidade, sua única frustração é pensar que pelo fato de estar aqui agora, não pode estar em outro lugar. Ele vive ansioso pela nova experiência. Seu maior privilégio é movimentar-se porque quer, como quer e quando quer.
O Vagabundo é um consumidor frustrado. Movimenta-se porque é empurrado pela necessidade de experiência. Os seus sonhos são apenas um emprego qualquer, uma tarefa humilhante para o Turista.
O primeiro viaja à vontade, normalmente em primeira classe, diverte-se bastante, é adulado, recebido com sorrisos e de braços abertos. O segundo viaja às escondidas, por vezes ilegalmente, ou pagando pela terceira classe e, muitas vezes, visto com desaprovação.
Metaforicamente, Bauman designa os turistas como as pessoas de extrema mobilidade e os vagabundos 80% dos cidadãos e que a pós-modernidade vai trazer cada vez mais a exclusão social, que gera uma subclasse.


LEI GLOBAL, ORDENS LOCAIS



No último capítulo, o autor lembra o que Pierre Bourdieu escreveu no artigo apresentado numa conferência em Freiburg, Alemanha, em outubro de 1996, onde cita uma declaração feita por Hans Tietmeyer, presidente do banco central alemão, quando, de forma casual e descuidada, afirma que o que está em jogo hoje em dia é criar condições de confiança para os investidores.
Tietmeyer explica que essas condições seriam o controle de gastos públicos, redução de impostos, reforma do sistema social e o desmantelamento das normas do mercado de trabalho, pois este é rígido demais e precisa se tornar flexível, ou seja, mais dócil e maleável.
Acrescento aqui, que para Tietmeyer só isso é importante e o resto “que se lixe”... como se pode ver o “resto”, no ano passado, foi o início da crise financeira americana que abalou a economia mundial.
Quanto à questão sobre lei global e ordem local, o autor transmite a ideia que todos os processos mundiais têm as mesmas características, pois todos aplicam leis que garantem à classe média as condições mínimas e castiga com leis severas as classes desfavorecidas.
Faço um pequeno aparte para citar um trecho, que fala sobre globalização, na obra de Renato Ortiz, Um Outro Território – Ensaios Sobre a Mundialização, 2ª edição, Ed. Olho D’água, agosto 2003, p. 193-194:

Em uma situação história na qual as relações sociais estão definidas. Para apreendê-las, é necessário repensar aspectos das Ciências Sociais. Não se trata a rigor de uma mudança paradigmática, mas o estoque de conceitos que possuímos, devido à historicidade do objeto, foi cunhado para dar inteligibilidade a um outro contexto. No caso da Sociologia, Ciência Política e História, a referência ao Estado-Nação tem sido preponderante. Conceitos como identidade nacional, partidos, história nacional e modernização são aplicáveis quando se postula a nação como integradora dos processos sociais.

Para finalizar, o livro de Bauman traz consigo a reflexão das consequências da globalização para os seres humanos, onde a cada momento temos um aumento da pobreza e diminuição das condições mínimas de sobrevivência. Em contrapartida, existe um aumento das grandes potências empresariais e da exploração advinda do seu modelo desvinculado do local, tendo na sua visão e modelo global, um alicerce para sua manutenção e precariedade da vida humana.
CONCLUSÃO

Qual será o futuro do ser humano com a globalização? É preciso parar e refletir, pois estamos cada vez mais envolvidos por um turbilhão de informações e mudanças, e afinal, afinal, como sabiamente afirmou o autor, estamos num barco à deriva, sem destino e sem comando.